
Dmitri Ivanovich Mendeleiev, professor de química russo, viveu no século XIX. Cabelos e barba brancos, longos e desgrenhados, aparência excêntrica como a de um cientista de desenho animado, Mendeleiev tinha um temperamento explosivo, era mau-humorado, metódico e obcecado pelo trabalho a ponto de escrever um livro de 500 páginas em 60 dias.
No dia 17 de fevereiro de 1869, depois de passar três dias e três noites inteiros debruçado sobre uma dúvida crucial que não conseguia resolver, Mendeleiev adormeceu, exausto. E, então, teve um sonho. Nele, revelou-se diante de seus olhos uma conexão lógica que o cientista estava procurando desesperadamente, sem conseguir chegar a uma conclusão. Como uma sequência de cartas de baralho (outra de suas manias) ele visualizou o conjunto dos elementos químicos numa ordem que parecia fazer sentido, encaixando-se perfeitamente.
Aquele sonho foi o marco de uma revolução: o ponto de partida da química moderna. Assim como Newton havia consolidado, com a Lei da Gravidade (séc. XVII), a explicação que deu sentido à física como ciência; assim como Darwin, com a Teoria da Evolução (séc. XIX), havia revelado o esquema universal da biologia; Mendeleiev sabia que sua descoberta era a grande resposta para as dúvidas que ainda pairavam sobre a química. Tudo o que se seguiu, até a descoberta do DNA e as mais recentes pesquisas de física nuclear, baseou-se naquele marco zero: a Tabela Periódica.
O conjunto de informações que existia, até então, sobre os elementos químicos, dava a impressão de que cada um deles tinha suas próprias características (peso atômico, gravidade específica, gravidade do óxido, gravidade do cloreto), e que os diferentes grupos de elementos (grupo oxigênio, grupo nitrogênio, grupo bismuto, grupo halógeno etc.) não tinham nenhuma relação entre si. Em outras palavras: nunca fora possível estabelecer um padrão lógico entre os elementos, o que era inaceitável para Mendeleiev. Se a química era uma ciência, precisava de um sistema que desse coerência a seus elementos.
A Tabela Periódica de Mendeleiev causou espanto entre os cientistas da época, pois conseguia abarcar todos os elementos que já haviam sido descobertos. Mas gerou também desconfianças devido às suas lacunas e aos números que não correspondiam à sequência. A certeza arrogante de Mendeleiev não se deixava abalar com as críticas: onde os números não se encaixavam, ele dizia que eram os números que estavam errados (o elemento teria sido pesado de forma incorreta); onde faltava um elemento com as características previstas pela Tabela, ele simplesmente colocava uma interrogação, afirmando que o elemento com tais qualidades existia, só não havia ainda sido descoberto.
Nas colunas verticais, da esquerda para a direita e de cima para baixo, estão os elementos por ordem ascendente de peso atômico; nas horizontais, os grupos de elementos com propriedades gradativas semelhantes. Onde se veem as interrogações antes dos números, deveriam estar os elementos ainda não descobertos; as outras interrogações indicam que há algo errado no peso dos elementos.
À medida que as descobertas de novos elementos vinham se encaixar perfeitamente no sistema de Mendeleiev, a Tabela Periódica consolidava-se como a grande “regra geral” da química. Como afirma Paul Strathern, “Mendeleiev classificara os tijolos do universo”.
Em 1955, o próprio cientista passou a fazer parte de sua construção. O tijolo de número 101 ganhou o nome de mendelévio, “apropriadamente, um elemento instável, sujeito a fissão nuclear espontânea”.
O livro
O livro O sonho de Mendeleiev elege como ponto de partida e de chegada a fascinante história dessa descoberta. Da vida pessoal à carreira profissional do cientista, do temperamento difícil aos acasos que estão por trás de todo grande acontecimento, a narrativa de Paul Strathern é simples e envolvente. Não é à toa: além de acadêmico, Strathern é jornalista e autor de romances e biografias (veja em “Sobre Paul Strathern”).
Já seria um ótimo livro se tratasse apenas de Mendeleiev e da Tabela Periódica. Mas, para explicar o significado daquele momento, o autor relata uma valiosa retrospectiva da história da ciência e da química, sempre fiel ao mesmo espírito: humanizar os acontecimentos, demonstrando que os feitos memoráveis que pontuam a história resultam de ações, relações, encontros e desencontros. A macro e a micro história interagem constantemente. Strathern nos delicia ao entremear os mais relevantes temas da evolução da ciência com informações e questionamentos curiosos a respeito da vida e da personalidade dos cientistas.
Quando comenta os erros e acertos da ciência, lembra-nos o óbvio (mas que tantas vezes fica fora das salas de aula): o saber científico não é construído apenas por gênios e em maravilhosas descobertas. Os erros também fazem parte da história, e em diálogo com eles que os cientistas buscam aprimorar seus conhecimentos, consolidar suas teorias, confrontar ideias para enfim chegar aos grandes marcos que conhecemos.
Idas e vinda temporais são conduzidas habilmente: a filosofia grega e as primeiras sistematizações científicas, Tales de Mileto, Heráclito, Sócrates, Aristóteles, a alquimia e as contribuições do mundo arábe, Paracelso, a descoberta dos elementos, Galileu, o método cartesiano. Ganchos da atualidade, como o Projeto Genoma e a nanotecnologia, reforçam esta ideia continuum, de eterna reelaboração dos desafios intelectuais e científicos que sempre seduziram e seduzirão a humanidade.
Enfim, é uma obra ao mesmo tempo ampla e simples, profunda e direta, ideal para quem deseja ter uma noção geral da história da ciência, em especial da química. Para os professores, O sonho de Mendeleiev, além do prazer da leitura, serve como um excelente livro de consulta. Ele pode enriquecer suas aulas com exemplos, curiosidades e uma visão mais humana das ciências. Conta ainda com um bom índice remissivo e referências comentadas capítulo a capítulo.
Da próxima vez que os alunos resmungarem algo como “Odeio Tabela Periódica!”, conte um pouco da história de um maluco chamado Mendeleiev, e de como um sonho foi o “culpado” por eles agora terem, diante de si, o mapa que explica a estrutura básica de todas as coisas.
Strathern, Paul, 1940, O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química; tradução, Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002
Ficha técnica do livro:
- Título: O sonho de Mendeleiev – a verdadeira história da química
- Autor: Paul Strathern
- Gênero: Paradidático
- Produção: Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
Publicado em 21/2/2003
Fonte: CECIERJ
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